segunda-feira, 19 de maio de 2014

Era uma vez uma chucha

Era uma vez um menino de 3 anos, quase, quase 4, que gostava muito da sua chucha. Não conhecia outra coisa desde que nascera, e o afeto e dependência sobre tal objeto eram verdadeiramente ternurentos. Com o tempo, e também porque via os meninos da sua turma a desprenderem-se das suas chuchas, o menino começou a abdicar da sua "amada" durante as brincadeiras; depois durante as brincadeiras e as sestas; depois durante o dia quase inteiro. Na escola.
Mas em casa o apego continuava mais "apegado". Não a dispensava nas sestas, na sua cama querida, e muito menos à noite, onde nem era preciso dizer que mimo = chucha + colo + beijinhos + histórias (por aí e sem ser por esta ordem).

Um dia os pais do menino descobriram a existência, algures por aí neste mundo, de uma "fada das chuchas". Até então desconheciam tal ser, mas uma amiga confidenciou-lhes que esta existia e que em troca das chuchas das crianças, dava prendas escolhidas por elas. O sucesso da fada era garantido.
A mãe pôs o menino a par disso. Inicialmente a fada não o convenceu. Por muita conversa que lhe desse, ele não gostava dessas fadas, aliás, nem existiam na opinião dele e não a queria na casa dele. A mãe não insistiu, mas passados uns dias voltou a mencioná-la e desta vez o rapaz não pareceu tão avesso à ideia da fada - especialmente quando questionado sobre que presente gostaria que a fada lhe trouxesse. A lista de presentes nunca era consistente e a mãe voltou a não insistir. Tinha de perceber qual o presente que ele queria MESMO. E um dia ele deu-lhe a resposta mágica: "quero o boneco do tree fu tom, era mesmo o que eu queria". Ela nem queria acreditar - esse era o boneco que ela já havia comprado (aproveitando uma bela promoção) e que estava há meses guardado, à espera do aniversário do menino. E desta vez a resposta era consistente passados 2 dias. Aí ela montou a sua estratégia de ataque e conquista, e prometeu que se ele quisesse mesmo o boneco, ela falaria com a fada. Mas já sabia: a prenda só era dada quando os meninos entregavam as suas chuchas à fada, para ela as reciclar e dar novas chuchinhas aos bebés. Era uma decisão muito importante. E dado que o menino já só tinha uma chucha (e a ficar cada vez mais estragada, segundo a mãe) tinha mesmo de pensar bem, porque uma vez entregue não haveria mais tal objeto nas sestas, nem à noite. Não dava para voltar atrás. O menino tinha de ter mesmo a certeza.

Uns dias depois, a mãe perguntou ao filho se ele sempre queria dar a chucha à fada. Ele respondeu que sim. Mas ela tinha algum receio que ele não entendesse bem a seriedade da coisa e no fundo, temia a tristeza e choro do petiz quando este se apercebesse que depois já não haveria volta a dar. No entanto, avançou e nessa noite os pais foram com o menino à janela da cozinha e deixaram-na do lado de fora, para que a fada a pudesse ir buscar durante a noite. Segundo a "lenda", no dia seguinte de manhã, lá estaria a prenda desejada e a chuchinha levada.

Logo depois o menino foi-se deitar, e mesmo afirmando categoricamente a toda a hora que não tinha sono, nunca pediu a chucha. Demorou muito a adormecer. Sem a sua ajuda extra e emocional para relaxar e se deixar amolecer, o colo foi mais agitado, a conversa não parava e o processo de adormecer foi mais complicado. Mas adormeceu e nunca acordou durante a noite a pedir a sua chucha perdida (que era o que os pais temiam que acontecesse).

Nesse momento a sua mãe compreendeu que ele tinha de facto interiorizado que a chucha não voltava, que era a última vez que a usava, e que a partir daí seria oficialmente um "crescido" (com direito a prenda e tudo). Nesse momento, a mãe, que andava tão absorvida a ajudar o filho a crescer e a ultrapassar um marco na sua vida (a chucha foi o objeto mais importante na vida dele, sem dúvida) percebeu que ele não era mais um bebé. O seu filhote lindo era já um rapazinho que entendia as consequência de um ato simples mas muito importante na sua vida. De repente, não iria mais tê-lo nos braços, com aquele barulho tão característico do movimento das chuchas, a amolecer, e portar-se ainda como um bébé aninhado ao colo. Daí em diante o deitar seria mais irrequieto, mais conversador, menos descansado, porque não havia aquele elemento pacificador, que amolecia quase instantaneamente o filho.

A mãe sempre conhecera o seu filho de chucha e quando, nessa noite, de repente o viu sem ela "para sempre", uma melancolia profunda abateu-se sobre ela. Tinha acabado. Tinha acabado uma Era. Uma Era muito doce. A Era do Bébé que ela sempre tinha adorado. Ele era, seria (e sempre será) "o seu bébé"; mas já não era "um bébé".

Parte do seu coração inchou de orgulho pela conquista e pelo passo independente do filho, mas a outra parte sangrou implacavelmente. De repente, instalou-se uma perda avassaladora. Aqueles momentos cheios de ternura em que olhava para ele, já crescido e vestido para ir para a escola, ainda a ver TV, de chucha, à espera que o chamassem para o carro, não se repetiriam mais. O colinho à noite "à bébé" não seria mais o mesmo. O ar incrivelmente fofinho que fazia com a chucha não se reproduziria mais. Reproduziriam-se outros igualmente fofos com certeza. Mas não aquele. E doeu. E a mãe chorou. Chorou a noite inteira. Sentiu-se espantada ao perceber que a tristeza que alguém sentiria pela perda da chucha não seria a dele. Para ele era apenas mais um passo, que no fundo andava a interiorizar há muito tempo e que naturalmente iria ultrapassar porque cada vez mais se sentia crescido, grande e a ceder o lugar aos verdadeiros bébés. Era uma questão de tempo.

A tristeza afinal era a da mãe. Ela com a perda da chucha tinha perdido muito mais do que ele. (embora soubesse que não era bem uma perda: era mais uma transformação, o desenvolvimento.)

No dia seguinte de manhã, o menino lá descobriu na janela da cozinha, do lado de fora, o seu desejado boneco. O êxtase na sua carita foi impagável. Estava tão contente e orgulhoso. A fada tinha cumprido a sua promessa. E ele cumpriria a sua.

E no dia seguinte, os novos vizinhos do menino (uns 5 miúdos muito giros e despachados dos 3 aos 10 anos) foram chamá-lo para brincar com eles na rua. O sorriso do menino ao ir com eles, a correria, as brincadeiras, o ar de rapaz independente fez mais um sorriso na mãe ainda melancólica.

Uma nova fase na vida do filho estava em marcha.

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