segunda-feira, 15 de abril de 2013

Who do you think you are

Há um programa curioso na BBC One que se chama Who Do You Think You Are. Embora o título à primeira vista tenha um som um bocado agressivo, é dos programas mais giros que tenho visto ultimamente (dentro do género). Neste caso o programa convida pessoas importantes de várias áreas (músicos, atores, escritores, etc etc) e dedica a cada pessoa o estudo de parte da sua árvore geneológica. Umas vezes pretende-se a origem da família materna, outras da paterna. Já cheguei a ver programas em que cobriam ambas as famílias. Chegam a ir a quatro gerações atrás.

Bem sei que aquelas famílias não nos dizem nada. Não são a nossa. Mas há qualquer coisa de entusiasmante e sherlokiano em acompanhar (mesmo que seja só pela televisão) uma pessoa (mesmo que não familiar) na sua demanda por saber quem são os seus antepassados. Quem já viu algum destes programas sabe que por vezes chega a ser enternecedor, chegando-se mesmo à lagrima a par com os protagonistas. A emoção passa da tela para nós. Pelo menos passa-me a mim.

Acredito que ao "conhecer" as pessoas que nos deram origem, passamos a conhecer-nos a nós próprios, a compreender mais sobre que massa somos feitos. Consigo perceber de onde vêm as lágrimas dos protagonistas sempre que lêem que a sua tetravó teve de fugir do seu país numa altura de guerra, que passou fome, e que entretanto se passaram anos sem saber do seu paradeiro. E que, finalmente, após dezenas (e centenas) de anos, alguém se lembra de novo delas, e após semanas a percorrer registos, é "encontrada", revisitada, lembrada por quem poderia nem se incomodar em lembrar. 
É fascinante saber que um dia, daqui a centenas de anos, alguém pode querer voltar atrás e querer saber quem éramos nós. É reconfortante. É igualmente bonito podermos fazer isso em relação aos nossos antepassados, se quisermos mesmo.

No último programa que vi, calhou-me a estrela de TV Rosie O'Donnell. Esta atriz e apresentadora americana, orfã de mãe aos 10 anos, pretendia conhecer mais a sua origem irlandesa por parte da mãe. Não sabia nada sobre essa parte da família, tudo rodava à volta apenas da progenitora. Mas quis saber mais, saber de onde vinha, que vidas tinham vivido os seus antepassados.

A certa altura do programa, ela está perante um edifício (na Irlanda) onde parte dos seus antepassados viveram anos, antes de emigrar para o Canadá. Esse edifício é um asilo onde se colocavam os pobres dos pobres, aqueles que morreriam de fome se não fossem acolhidos. Vivia-se a época da Grande Fome, uma altura devastadora na Irlanda (de 1845 a 1849) vitimada pela fome, pelas doenças e pela emigração. A fome na altura foi causada pela doença da batata (quando um fungo atingiu as batatas, alimento dos quais os irlandeses dependiam) entre outras causas. 
A certa altura uma parte da família dos antepassados de Rosie, um casal e os seus filhos, vão para esse asilo. É evidente o choque da atriz quando percebe que o asilo não era um novo lar acolhedor para a família... Era sim uma espécie de casa (a certa altura o nome que salta à vista é: campo de concentração) onde (à chegada) as mulheres eram separadas para um lado, os homens para outro, e as crianças de 2 a 15 anos para outro... Era comum estarem anos sem se verem. Acho que fiquei tão chocada quanto ela quando ouvi esta informação. 
Veio-me à mente a imagem de uma criança de 2 anos a ser arrancada à mãe e ir para uma ala com mais 30 ou 40 crianças sem qualquer amor, atenção e higiene... É um choque. Sou mãe de um fofinho de 2 anos e meio (e mais um bocadinho) e só de imaginar o meu bonequinho a chorar baba e ranho e a sofrer daquele modo... Fiquei de coração apertado...
Acho que só faltava à atriz começar a chorar desalmadamente; eu por mim foi choradeira certa (ainda por cima estava sozinha, ou seja, deu para verter tudo cá para fora sem vergonhas).



Fiquei a pensar na vida das outras pessoas que já cá estiveram antes de nós. Fico a pensar nas vidas agrestes que os nossos avós, bisavós e os outros antes, já viveram até chegarmos nós e termos o privilégio de viver bem, com saúde, sem fome, com os nossos pequenos privilégios de vidas algo consumistas. Penso no que eles fizeram para que nós tenhamos o que temos agora.
Fico agradecida por viver num país sem guerra, onde apesar da crise (não falo obviamente dos que infelizmente se encontram em desespero total...) ainda se consegue viver com dignidade e sem medo. Fico agradecida por não estar em algum campo de refugiados algures no mundo; de não viver num país onde as mulheres são violadas sem apelo nem agravo mal metem o pé na rua; onde os nossos filhos podem ter a maioria das vacinas gratuitas e disponíveis a toda a hora; de ter a liberdade de educar o meu filho do modo que quero e de ele poder ter todo o amor a que tem direito.

Fico agradecida pelos privilégios todos que tenho (embora saiba bem que nos dias de hoje amanhã podem ser uma miragem). E fico com vontade de saber mais sobre os meus bisavós. Sei algumas coisas. O que os meus pais se lembram ainda. Mas nada sei sobre os meus trisavós, por exemplo. O máximo que sei são os rostos meio apagados deles nas fotografias antigas e amareladas. Fotografias essas que nem sei onde estão. Aliás sei. Ainda estão esquecidas algures numa gaveta na casa silenciosa dos meus avós. Qualquer dia, quando lá for de novo, irei espreitar (e talvez guardar) essas fotografias para que as suas vidas não se percam algures numa gaveta.

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