Durante um ano foi uma alegria. Todas as noites soltava-o e ele andava e esvoaçava uns bocados pela sala. Chegou a ficar empoleirado no topo das cortinas sem que ninguém o conseguisse tirar de lá. Tinha uma penugem macia, as penas pareciam seda, e o Calvin adorava (tal como a dona!) cafuné. E assim passava eu longos minutos a coçar-lhe a cabecita e a observar o seu ar de deleite.
Um dia o meu passarinho lindo começou a dormir no chão da gaiola em vez de dormir no poleiro. Eu não percebia bem porquê, mas porque era inverno pensei que era essa a explicação - o fundo da gaiola devia ser mais quente, algo assim. E não pensei mais nisso, na minha inocência e ignorância sobre animais e pássaros em particular.
Uma noite, quando estava sozinha na sala, fui ter com o Calvin e tirei-o para fora da gaiola. Ele estava frio, mas atribuí a isso o frio que estava naquela casa. Gelo mesmo. Tentei pô-lo a passear, a voar um bocado pelo compartimento. Mas nada. Ele voltava sempre para ao pé de mim, só queria estar ao meu colo aninhado. Eu não percebia o que se passava e insisti um bocado mais. Até que desisti - ele não arredava pé, queria a minha atenção. Fiz festas, cocei-lhe a cabecita, etc. Até que, sendo já tarde para me deitar, o fui colocar na gaiola. Curiosamente ele não queria, o que era inédito. Trepava-me pelo braço. Via-se que não queria entrar ali. A certa altura tive de insistir mesmo e obrigá-lo a ficar lá e fechei a porta da gaiola. Ele lá ficou a olhar para mim até que eu desci o pano que cobria a gaiola por causa do frio.
No dia a seguir, depois das aulas da faculdade, quando voltei a casa encontrei o meu pai muito triste no sofá. Foi ele que me deu a notícia - o Calvin tinha morrido. Fiquei em estado de choque porque nada fazia prever aquele desfecho. Fui à sala e lá estava ele; como se estivesse a dormir, com o bico enfiado nas penas traseiras. Estava no fundo da gaiola.
Revi várias vezes na minha cabeça o meu passaruco lindo a querer ficar no meu colo, a querer festas, a quer ficar ali comigo na noite anterior. Até hoje tenho a a certeza de que ele se sentia mal e sentia que estava a morrer, e por isso queria estar apenas comigo, aninhado e a morrer em paz.
Mas eu, ignorante quanto a doenças de pássaros e de que se eles dormem no chão é sinal de doença, não vi o quão mal ele estava e não o levei ao veterinário. E nessa noite incitei-o a voar e passear quando ele não queria; abandonei-o quando ele estava a morrer e não queria ir para dentro da gaiola.
Até hoje carrego um grande sentimento de culpa. Sentimento que sempre terei. Abandonei o meu bichinho quando ele estava a morrer e tenho uma pena infinita que isso tenha acontecido. Se soubesse que isso estava a acontecer teria ficado com ele pela noite dentro, a dar-lhe festas até fechar finalmente os olhos.
O meu pássaro lindo... era lindo, simpático e fazia-me rir. E eu era uma dona dedicada que interagia muito com ele e ele uma passarinho lindo que só queria brincadeira e a minha atenção.
Mas já não posso mudar o que aconteceu, e não posso fazer muito mais senão imaginar o momento final (mas triste) que teria sido o ideal:
Estou numa vida paralela, meu amigo lindo, dou-te colo e muitas festas. E fechas os olhos para sempre, placidamente, cheia de mimos da tua dona, como sempre foi, e rodeado de muito carinho.
Um brinde a ti Calvin, o melhor passarinho do mundo.
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